Apropriação Transgênera (Um Resumo) — SBGames 2017
Nos dias 2, 3 e 4 de Novembro desse ano (2017) aconteceu a 13ª SBGames, um evento nacional sobre a pesquisa acadêmica e o desenvolvimento de videogames. E foi uma SBGames bastante especial por que a Thais Weiller — mulher mais incrível deste planeta — estava lá e resolveu montar um espaço pra gente falar de diversidades nos jogos, prontamente chamado de Jogos Diversos.
Este espaço foi ocupado por palestras maravilhosas de projetos e pesquisas que estão acontecendo ao redor desses temas, junto com rodas de conversa contando com a participação de algumas pessoas bastante incríveis como a Letícia Rodrigues, Beatriz Blanco, Lucas Goulart, Tainá Félix, Luiz Bragança, Tathiana Sanches, e mais um mundo de pessoas que eu não tenho como lembrar o nome e/ou linkar os seus projetos.
Tiveram duas mesas das quais eu participei, e eu quero falar das minhas apresentações nessas mesas aqui no blog porque muita gente tem me falado “nossa, que legal, Felicia. Do que você falou?” e eu posso simplesmente linkar este post para elas. Sem falar que na primeira apresentação eu estava nervosa que só o diabo e não consegui falar tudo que eu queria. Espero poder compensar aqui.
Mas uma dessas apresentações não será necessário falar sobre por que no Dia 4 eu basicamente só repeti as coisas que estão escritas no post recente Um Caso de Consequências — Hellblade, The Cat Lady, Downfall e Atipicidades Mentais.
A apresentação do Dia 3 foi uma compilação de outros assuntos que tratei no blog, mas eles estão espalhados de forma confusa. Então por que não fazer um post no blog resumindo essa história da mesma forma que fiz na SBGames?
Vamos lá!
No dia 3 eu participei da mesa “As Margens Como Centro: Experiências Queer Nas Culturas de Jogos Eletrônicos”. E falei do meu terceiro assunto favorito: A Morte do Autor (em MEMES).
Tudo começou com um post da Brianna Wu em 2015 quando descobriram que em um guia estratégico de Metroid, um dos desenvolvedores do jogo chamava a Samus do equivalente japonês a “traveco”, provavelmente por causa de como a personagem era tratada como um homem desde o seu início até a revelação final de que ela era uma mulher.
Eu mesma falei sobre isso aqui no blog já, mais de uma vez inclusive, e tomei parte de um movimento na comunidade trans que se iniciou por causa desse post, de apropriação dessas personagens AAA com histórias com mensagens subliminares que podem ser interpretadas como comprovação de sua transgeneridade.
Memes foram e continuam sendo a principal forma de expressão desse movimento, editando todo tipo de imagem para servir à nova narrativa de “essa é uma mulher trans”.
Também em 2015 surgiu o boato de que o Link no novo The Legend of Zelda Breath of The Wild ia ser uma mulher. E logo eu mesma e outras pessoas trans ao redor da internet começaram a usar o Link como seus símbolos pessoas de batalha transgênera, com ainda mais peso e força do que a Samus jamais conseguiria ser. E foi aí que essa ideia começou a vazar para outras propriedades da Nintendo, e até Pokémon como o Sylveon estavam decorando bandeiras transgêneras no Tumblr.
A força do símbolo que foi o Link era tão grande que surgiu uma Female Link Jam, a game jam dedicada transição de gênero de Link. Muitos jogos trataram a “link mulher” como uma irmã ou parceira do link clássico, mas a maioria esmagadora deles viu Link como sempre tendo sido uma mulher.
Agora que tinhamos um “Hero of Trans” estávamos prontas para deixar o movimento evoluir para outras franquias para fora da Nintendo. Eu comecei o trabalho de, na coluna Trans in Games, utilizar o trabalho de Roland Barthes para justificar a transgeneridade de personagens que nunca foram considerados trans antes. Desafiando abertamente a ideia original de Brianna Wu de que a opinião de um dos autores importa, e apoiando a ideia de que o que os fãs acreditam é bem mais importante.
E é óbvio que eu jamais deixaria nosso maior símbolo de lado. Por mais que o meu texto sobre o Naoto de Persona 4 seja o mais famoso, o sobre a Linkle é o que mais me rendeu xingamentos de fãs cisgêneros que não entendiam o movimento e nem a ideia da Morte do Autor.
Com o Advento de Overwatch, a internet fez o que ela sabe fazer de melhor, e comparou ela com o Shinji simplesmente por que os dois pilotam mechas e tem uma roupa extremamente parecida. Leia mais sobre isso aqui. O Shinji virou uma garota trans na D.Va e agora as pessoas trans tinham um símbolo para seguir em jogos online.
E não qualquer símbolo. A jogadora agressiva que muitas vezes protagoniza partidas de Overwatch com seu sarcasmo e “pisões”.
E pronto, isso foi suficiente para mudar o movimento de memes normalmente inofensivos para coisas que abertamente desafiam todos os jogadores cisgêneros ao redor das pessoas trans. O que eu chamo de “apropriação agressiva”.
Quer ler sobre este assunto em mais detalhes? Bom aqui vai uma lista cronológica do que você pode ler para entender totalmente as minhas posições em relação a este movimento que eu tanto amo.
Originally published at http://feliciagamingdiary.wordpress.com on November 7, 2017.