ARQUIVO — Mas Naquela Época! Introdução & História do Preconceito Sexual

Olívia Lobo Guerreiro
17 min readNov 25, 2018

Fantasia Medieval. Meu gênero de ficção favorito pra ser honesta. Ele nos da dragões, magia, e uma base semelhante o suficiente a história do nosso próprio mundo pra explorar problemas mais pé no chão que talvez não sejam possíveis nos gêneros de ultra-high-fantasy ou sci-fi.

Okay, talvez isso seja só uma desculpa pra um certo fetichismo nórdico criado por Tolkien. Mas é um gênero MUITO popular! Principalmente no mundo do RPG. E justamente por ser tão popular ninguém pensa muito sobre. “Ah, é só mais um D&D” pensam os céticos quando olham pra uma caixa de Dragon Age. Mas o conteúdo dessas caixas escondem muito mais do que cavaleiros e dragões.

John R. R. Tolkien, Robert E. Howard, Dave Arneson e Gary Gygax criaram todas as regras silenciosas da Fantasia Medieval que ninguém questiona ou põe a prova. E os seus trabalhos eram abertos o suficiente (principalmente do Gygax) pra que qualquer suposição que o seu publico alvo tenha sobre a realidade acaba entrando ainda mais silenciosamente dentro desse léxico fantástico.

E eu quero desafiar esse léxico. Muita gente gosta de usar esse gênero de fantasia pra justificar comportamentos preconceituosos, usando principalmente do argumento “MAS NAQUELA ÉPOCA”. E é disso que se tratará essa série de textos. Eu quero desafiar a noção do público da Fantasia Medieval. De o que “aquela época” significa. E com isso talvez você saia daqui aprendendo alguma coisa nova.

0. Introdução

Há alguns dias atrás, uma coisa muito chata aconteceu comigo relacionada a Dragon Age e RPG de mesa.

Existem vários estabelecimentos e projetos em Curitiba que visam disseminação do RPG às massas e promovem eventos de one shot, e campanhas com jogos semanais para quem quer que queira participar. Principalmente pessoas que tem dificuldade em reunir os amigos e montar uma mesa própria.

Mas um pequeno problema com essa estrutura é que uma narradora recrutada para tal projeto provavelmente vai ter que aprender sistemas novos na correria e não vai ter tempo de ler todos os mais de 50 livros que provavelmente existem praquele cenário que ninguém nunca ouviu falar. Então algumas nuances desses jogos acabam passando despercebidas por essas narradoras, e quando se deparam com alguns problemas específicos desses cenários essas narradoras acabam tomando atalhos não muito inteligentes. Principalmente quando se trata de gênero e sexualidade. Por exemplo: Se anões tem uma cultura super máscula com barbas e violência, eles devem ser machistas e homofóbicos, certo?

E foi exatamente o que aconteceu comigo da última vez que eu fui jogar Dragon Age RPG em um desses eventos.

Por quê? Eu ACHO que não há nada inerentemente homofóbico sobre fantasia medieval, e COM CERTEZA não há nada inerentemente homofóbico em anões de Dragon Age. Então qualé?

Existe uma noção penetrada nas mentes das consumidoras e criadoras de fantasia medieval de que machismo e homofobia são de alguma forma o padrão da experiência humana. E quando surge algo como Dragon Age que ativamente desafia esses conceitos, esse desafio é ignorado a favor dos atalhos que não precisam ser a realidade dessas fantasias.

Fantasia enquanto gênero, principalmente a medieval, costuma ser baseada em história. Mas o que a maioria das consumidoras e criadoras desse tipo de mídia falha em compreender é que a história humana surge de contextos. Ela não simplesmente “é”. Então antes da gente começar a falar mal de quem critica o seriado de Game of Thrones por ter estupros demais e falar de “aquela época” vamos tentar entender o que “aquela época” realmente significa.

1. História da Homofobia?!

Eu vou assumir que você sabe que homofobia existe, que ela é um tipo de opressão bastante violenta, e que ela é uma coisa ruim. O que você talvez não saiba é que ela nem sempre existiu na história da humanidade. E que, ao contrário do que algumas radfems alegam, nenhuma opressão surge do nada.

Então, antes da gente chegar no pedaço que realmente fala sobre Dragon Age e o porque homofobia tecnicamente não existe nesse cenário, nós temos que estabelecer alguns precedentes. O que é homofobia? E o mais importante, da onde ela veio?

Mantenha em mente que eu só vou falar sobre culturas mediterrâneas e eurocêntricas aqui. Eu não tenho a menor ideia de como sexualidade e gênero funcionava (nem como funciona atualmente pra ser sincera) no leste da Ásia, na África subsaariana, na Oceania e nem nas culturas aborígenes das Américas. Se você tem contato com essas culturas, eu adoraria ouvir suas perspectivas. Mas como o foco da postagem é Dragon Age e fantasia medieval eu acredito que a gente pode manter esse foco eurocêntrico também. Belesma?

Acreditem ou não, as sociedades humanas nem sempre foram homofóbicas. Na verdade a palavra homofobia não existia até 1960, e as palavras homossexual e heterossexual não existiam até 1886. Essa parada de identificar uma pessoa através da sua sexualidade é beeem recente. Mas vamos começar pelo começo.

1.1. Antiguidade

Não sei se você sabia, mas homens espartanos adoravam “brincar” com outros homens espartanos. E eles não tinham qualquer empecilho em fazer o mesmo tipo de coisa com as suas esposas. Alguns preferiam a companhia de outros homens, alguns preferiam suas próprias esposas, outros não viam diferença, e meninos em treinamento militar eram frequentemente encorajados a se masturbar em conjunto. E você pode até pensar “pfff, esses gregos, fodem qualquer coisa que tenha um buraco”. Mas acho que você teria que trocar esse “gregos” por europeus, mesopotâmicos, persas, árabes, egípcios, cartagenos, etc. Porque foder pessoas do mesmo sexo que você era a norma do mundo clássico. Na realidade muitas vezes era a única oportunidade de se fazer sexo por simples prazer porque uma transa entre duas pessoas de sexos diferentes normalmente o resultado era uma gravidez. E isso era uma dor de cabeça que normalmente se preferia ter dentro do casamento e não em uma foda qualquer no bar.

Na realidade, de acordo com algumas fontes, os druidas de comunidades celtas pré-cristãs incentivavam rapazes adolescentes com a libido alta a transar entre eles pra evitar gravidez não planejada fora do casamento.

Não existem muitos relatos de mulheres tomando parte dessa ação toda. Provavelmente porque na grande maioria dessas sociedades mulheres eram vistas como propriedades de seus maridos ou pais. Então raramente existiria alguma autonomia para que mulheres pudessem escolher livremente com quem transar.

Mas acontecia! E acredito que a poesia de Sappho seja uma prova bem clara de que, na antiguidade, gregas adoravam colar velcro tanto quanto gregos gostavam de… Quebrar pratos no chão. Claro que ela era ridicularizada por isso, mas a natureza dessa ridicularização era muito diferente da lesbofobia que acontece no mundo de hoje.

Ela era mal vista pela sociedade grega porque, pra essa sociedade, mulheres eram seres inferiores. Por que um ser inferior iria preferir a companhia de outros seres inferiores a de um HOMEM?

Mesmo assim ninguém pensava demais sobre sacerdotisas de Isis e Diana chupando uma a outra em rituais sagrados. É um ritual sagrado, porra. Quem sou eu pra contrariar os Deuses?

Claro que isso é uma generalização. Gênero no mundo clássico é muito mais complicado que sexualidade. Mas é exatamente nesse ponto que eu quero chegar.

Ninguém dava uma foda pra sexo ou com quem você transava. Simplesmente não era uma questão. Sexo é sexo, ponto final.

Isso mudou um pouco com o Torá e com as religiões abraanicas.

1.2. Religiões Abraanicas

Ser judeu não é fácil. Além de você ter que lidar com um bando de gente da “direita alternativa” dizendo que você faz parte de uma conspiração internacional pra dominar o mundo, a história do seu povo é marcada por pelo menos 4 genocídios e bastante preconceito gratuito.

Não se sabe muito bem o que aconteceu em Israel e Judá entre 1500 e 600 AC, mas se é para as suas lendas serem acreditadas, eles tem sofrido com escravidão, exílio e proibição das suas fés desde antes de 1500 AC nas mãos de egípcios, e então assírios. Com essas duas culturas tomando parte do costume mediterrâneo que eu mencionei ali em cima de fazer sexo por prazer e cultuar o sexo prazeroso, foi provavelmente assim que começou o ranço dos hebreus contra as outras religiões da região e contra o sexo prazeroso.

Até então a maioria dos hebreus era politeísta, mantendo Yahweh simplesmente como sua divindade principal e como patrono do Estado. A maior parte da cultura hebraica girava em torno do templo de Jerusalem, e eles tinham uma vida okay. Com alguns ressentimentos sobre o resto do mediterrâneo, mas não é como se eles estivessem mandando o resto da região se foder. Depois de 700 AC sabe-se que Israel e Judá realizavam trocas comerciais normalmente com os outros reinos e impérios da era do Ferro. Mas em 586 AC babilônicos resolveram brincar de Godzilla e destruir Jerusalem, o templo e escravizar toda a sua população, mandando mais de metade da galera pra trabalhar na Babilônia.

Foi aí que os hebreus começaram a ficar PUTOS de verdade! Yahweh nos dá segurança e prosperidade, enquanto esses outros deuses só invadem nossa terra e nos tratam pior que lixo! Que a gente faz? Manda os outros deuses pro inferno junto com as formas de cultuar eles.

Com a queda do império babilônico pelas mãos dos persas, hebreus conseguiram uma trégua de toda a merda que eles estavam recebendo de estrangeiros, e puderam voltar pra Israel e construir um segundo templo. Mas não diminuiu a sua desdém pelo politeísmo e tudo que ele significava no mediterrâneo na época.

Sexo por prazer era uma forma como esses estrangeiros cultuavam esses deuses “malignos”, então a associação feita pela comunidade hebráica é que, a não ser que você esteja procriando, sexo é errado e corrompe a sua alma, te levando mais perto desses deuses falsos. É aí que a noção de demônios começou a aparecer.

A história de Sodoma e Gomorra foi criada para servir de alegoria quanto a corrupção do sexo, do ouro e do politeísmo. E a palavra Sodomia foi criada para descrever o sexo pelo prazer.

Essa desdém pelo sexo só cresceu com a ocupação grega, seguida pela re-ocupação egípcia, seguida pela ocupação romana. Hebreus eram um povo minúsculo cercado por reis e imperadores que só conseguiam pensar no próprio pau. Isso fortalece preconceitos.

Mas hebreus nunca foram de “espalhar a palavra de Yahweh”. Esse é o deus deles e pronto. Não é como se essas ideias fossem se espalhar pelo resto do mediterrâneo, ceeeerto?

Hebreus nunca quiseram espalhar a fé deles pelo mundo. Mas cristãos? Oh boy. Depois que Jesus morreu essa galera estava convertendo o resto da galera pra todo lado. E com todo aquele papo de salvação e da força da fé mesmo diante da perseguição foi muito popular com o povão.

Cultuar cristo era ilegal na época. Dizem que é por causa de um treco chamado Pax Deorum, mas eu acho que é mais complicado do que isso. Seja qual for a razão, essa criminalização só deixou o bagulho mais popular ainda! E quando se tornou popular o suficiente pro imperador Constantino talvez mudar de ideia sobre essa perseguição as coisas começaram a mudar de verdade em relação àquele bagulho todo de fazer sexo por prazer.

De repente todo o império estava começando a internalizar a ideia da corrupção da alma e do pecado.

1.3. Normalização da conduta sexual

Com o cristianismo se tornando a religião padrão da Europa, novos padrões de comportamento surgiram. Ilustrados principalmente pela nova definição de virgindade, que antes era só uma mulher que nunca casou e agora é uma mulher que nunca fez sexo. Porque sexo virou sinônimo com casamento, e se algum dia os dois se separassem, ou era adultério, ou era sodomia.

Mas ninguém quer ir pro inferno só por gostar de sexo! Menos mulheres. É culpa delas que as pessoas sofrem, porque foi Eva quem roubou a Fruta do Conhecimento. Então quem liga pra mulheres? Aqueles animais sujos. Pff. Na verdade, vamos usar esses animais sujos pra justificar nossos apetites sexuais! Aí só comer o cu de outro homem que é pecado! E se a gente tirar a virgindade de uma mulher sem casar com ela, é problema dela. É ela que está pecando fazendo coisas absurdas como… Existir.

O parágrafo acima foram as prováveis maquinações inconscientes acontecendo no decorrer da era medieval por toda a Europa. Seguindo as tradições greco-romanas (e hebraicas) de estruturação de poder, todo o continente herdou uma estrutura de privilégio masculino e objetificação feminina. E a falta de qualquer agência sexual vindo das mulheres, e a presença dessa agência em homens direcionada a mulheres — que são objetos e portanto podem ser abusadas — se tornou a norma.

Aparentemente existia essa noção desde a antiguidade que sexo só conta quando tem penetração. O que implica várias coisas (como é bem provável que durante todos esses séculos mulheres frequentemente colavam velcro e ninguém prestava atenção porque “não é sexo de verdade” se não tem penetração). Mas a principal implicação aqui é: Por que um homem violaria a privacidade e o corpo de um ser igual a si? Animais existem pra serem violados: Animais de verdade pela carne, escravos pelo trabalho, mulheres pelo sexo.

Mas essa parada de estupro ainda não é muito… Legal.

Quando o amor cortês começou a ficar popular — um conjunto de filosofias, ideais, mitos e etiquetas que surgiu na França no século IX — o casamento começou a ter um valor mais emocional e menos… objetificador. Então amor, sexo e casamento entraram juntos em um único pacote moral muito conveniente pras igrejas e para a atualização das noções de pecado e sodomia.

Passou a ser esperado que mulheres e homens se apaixonassem. E que idealmente o casamento fosse fruto dessa paixão, junto com filhas. E foi assim que a identidade heterossexual começou a surgir. Pessoas que buscavam um par do sexo oposto para constituir família sob a graça de Deus.

Não havia espaço pra homens se apaixonando por homens dentro do amor cortês, como acontecia antes na época da Grécia antiga, nem pra mulheres se apaixonando por mulheres, porque a narrativa do amor tinha que se encaixar na narrativa do casamento. Quando rolava um clima entre mulheres era ignorado porque “não é sexo de verdade”. Quando rolava um clima entre homens… Era sodomia.

Mas aí o iluminismo aconteceu! Deus deixou de ser tão importante! Certamente ninguém ligava mais pros tipos de relacionamento que você mantinha com outras pessoas.

AHAHAHAHAHAHAHAAHAHAHAHA MERMÃO, TU ANDOU NA RUA NOS ÚLTIMOS 1100 ANOS?! OU ENTROU NA INTERNET NOS ÚLTIMOS 5 MINUTOS? Se isso fosse verdade eu nem estaria escrevendo esse texto.

1.4. Patologização da sexualidade

Note que até agora não existe homofobia de verdade. Nem homossexualidade na verdade. Ninguém está julgando ninguém aqui baseando-se na sua identidade. Religião servia pra isso. Não. O julgamento que está acontecendo aqui é por algo que você FAZ não por algo que você É. Sodomia é um ato, não uma identificação.

E sabe, a suposição de dois parágrafos atrás está mais ou menos certa. Desde que a igreja parou de segurar todo o mundo ocidental como reféns, liberdades sexuais começaram a lentamente surgir ao redor da Europa e da América do Norte. Principalmente nos lugares mais industrializados do século XIX.

Arte erótica em particular ganhou certa popularidade, principalmente porque era proibido pela igreja. E com mulheres ganhando cada vez mais independência a colação de velcro estava ficando cada vez menos escondida. Ainda mais considerando que dava pra usar a desculpa de “tratamento para histeria” pra ir pra casa da comadre fazer uma pequena ação com os dedos.

Essa afeição entre homens ainda era considerada sodomia, mas nunca parou de acontecer. O que acontecia no século XIX é que mulheres transando entre si era mais bem aceito do que homens transando entre si porque a igreja nunca falou especificamente contra o sexo entre mulheres e por muito tempo ninguém considerava isso sexo de verdade porque não tem penetração. Combina isso com o argumento do tratamento para histeria que muitas dessas mulheres usavam e nós temos o único período da história em que mulheres pareciam ter mais atividade sexual que homens.

Mas uma coisinha aconteceu na comunidade médica européia que fodeu tudo pra todomundo que queria ficar com gente do mesmo sexo.

Pois veja. Ciência nenhuma é livre dos preconceitos das cientistas. Cientistas sendo seres humanos que vivem em sociedade como todas nós provavelmente terão preconceitos moldados pela sociedade. Então, em 1886, com a obsessão industrial de classificar todas as facetas da vida, um psiquiatra chamado Richard Freiherr von Krafft-Ebing pensou que homens transando com homens era muito estranho. E se alguma coisa é estranha ela deve ser inferior também! Uma anomalia! Uma doença! Uma psicopatia.

E é exatamente disso que trata o seu livro Psicopathia Sexualis.

Ele foi a primeira pessoa a usar os termos “heterossexual” e “homossexual” como forma de IDENTIFICAR pessoas se baseando nos seus comportamentos sexuais! E isso foi muuuuuuito conveniente pra elite industrial e pra igreja.

Liberdade sexual estava crescendo, claro. Mas essas coisas não acontecem da noite pro dia, e a grande maioria das pessoas ainda acreditava na igreja o nos ideais do amor cortês e da família. Na verdade essa ideia do amor cortês chegou no limite com a parada do romantismo. E as ideias do doutor Krafft-Eibing foram muito convenientes pra essas elites pois elas podiam criar uma nova narrativa de “nós contra eles”. Nós família heterossexual saudável e natural, contra Eles, homossexuais psicopatas nojentos pobres e doentes.

Eventualmente isso se popularizou e a nova sodomia deixou de ser algo que você faz para ser algo que você é. Mas outra coisa importante aconteceu quando Krafft-Eibing escreveu o tal livro. Ele pintava transgeneridade e homossexualidade como sendo a mesma coisa. Portanto agora a identidade sexual de uma pessoa estava intrinsecamente ligada ao desafio dos papéis de gênero.

Tangente sobre neopaganismo:

Eu acho ridículo como pessoas da minha religião dizem que “homens gays tem uma maior conexão com a Deusa” só por gostarem de dar o cu. Essa conexão de homossexualidade e feminilidade não existia até o século XIX e é puro produto de homofobia e transfobia. What the fuck, galera? Ninguém vê bruxas diânicas lésbicas da veia da Z. Budapest dizendo que elas tem uma conexão maior com o Deus do que mulheres hétero só porque gostam de colar velcro. Na verdade como a maioria delas é Rad acho que elas achariam isso bastante ofensivo.

Então foi assim que homossexualidade ganhou a sua face identitária! E foi assim que o preconceito com essa identidade surgiu.

A teoria Queer apareceu anos depois pra tentar fazer justiça quanto as pessoas que sofreram com essas classificações, mas o estrago já estava feito e muita gente já estava internalizando essas identidades.

Hoje em dia não se consegue pensar em sexualidade sem pensar em identidade também, mas nem sempre foi assim. Então, se identidade e preconceito sexual não são parte inerente da natureza humana, e sim uma construção que nós criamos em conjunto enquanto sociedade, por que temos que tratar como se fosse natural e colocar toda essa violência gratuita nas nossas fantasias?

Quer dizer, se a igreja católica e e a revolução industrial nunca tivessem acontecido, homofobia nunca teria acontecido. Se o seu cenário não tem nenhum dos dois, você vai precisar de outra desculpa.

E alguns cenários conhecidos tem essas desculpas. Outros não. Mas a gente vai falar disso no próximo texto.

Mas. Espera. O assunto não acabou, acabou? Metade dos problemas aqui é que mulheres não parecem ser levadas a sério quando se trata de sexo. E cadê as pessoas trans? Isso aqui é um blog sobre transativismo! Eu tenho que falar de coisas Trans™.

Tudo que você leu até agora vai ser suficiente pra entender os pontos que eu vou fazer no próximo texto porque eu assumo que você é inteligente o suficiente pra entender como misoginia funciona. Mas ainda existem alguns pontos complementares que podem ser feitos aqui.

2. História da opressão de gênero

Essa é uma história muito mais difícil de se mapear a origem. Sabe-se que existiam cultos ao sagrado feminino e ao corpo da mulher (cis) ao redor do globo, então realmente houve ou tempo em que a opressão de gênero como conhecemos hoje não existiu.

Mas esses povos não escreviam. E quando a escrita começou a surgir ao redor do mediterrâneo parece que as coisas já tinham desandado pro pior.

Historicamente sabe-se que gregos antigos viam mulheres como animais selvagens, e essa é provavelmente a raiz da misoginia ocidental. Mas algo deve ter acontecido na Grécia pra isso ter se tornado uma noção tão comum logo depois de se cultuá-las.

O que se sabe é que mulheres eram tratadas pelo menos em pé de igualdade com os homens na área mais setentrional da Europa até que Roma apareceu e fodeu com tudo. E isso é tudo que se da pra dizer. A história é antiga demais pra gente um dia descobrir a origem, mas nós temos evidências suficiente pra saber que nem sempre foi assim.

2.1. Intersexo e transgênero

O preconceito contra pessoas intersexo e transgênero no mundo ocidental é ainda mais difícil de apontar a origem.

Já que no “ocidente” pessoas são sempre identificadas como homem ou mulher, independente de terem características sexuais diferentes da norma ou não, não existem muitos registros de qualquer pessoa vivendo entre os dois gêneros ou fora deles.

Mas o povo indo-europeu é algo que realmente existiu e depois se dividiu pra formar tribos individuais na Europa de na Índia. E nós sabemos que na Índia o gênero é visto de forma muito diferente do que no ocidente, então talvez haja precedentes para algum tipo de não-binaridade sendo uma realidade na Europa antiga e ao redor do mediterrâneo.

E realmente existe. Nessa região existem deuses que não podem ser classificados como sendo nenhum dos gêneros ou sendo os dois. Mas essas deidades sempre parecem ser tratadas com uma certa… Sensualidade.

Existem alguns argumentos de que mulheres trans e pessoas intersexo na Mesopotâmia e na Europa celta exerciam exclusivamente um papel sacerdotal nas suas sociedades. Mas não existem provas disso, ou pelo menos nenhuma que eu consiga encontrar. O mais próximo disso que eu consegui encontrar foi uma lenda assíria de uma personagem chamada Asu-Shu-Namir, que você pode ouvir aqui, mas eu não consegui encontrar a fonte dessa lenda então… Sabe-se lá se é verdade. Eu gosto de pensar que é porque eu sou trans e estou treinando pra me tornar uma sacerdotisa pagã e é muito legal ter esse tipo de afirmação histórica, mas eu sei que posso estar errada.

O que a gente TEM prova é que pessoas trans e intersexo tem trabalhado como prostitutas desde os tempos antigos. E a julgar pelas estátuas de Hermafroditus, essas pessoas no mundo greco-romano eram vistas como nada além de objetos sexuais. Já que nós herdamos a misoginia dos gregos, acho que a transfobia também foi.

O preconceito provavelmente escalou com o advento do cristianismo. Se essas pessoas eram vistas como servindo exclusivamente pra sexo, elas não tinham mais utilidade nenhuma no mundo cristão — fora das periferias é claro. Qualquer pessoas designada homem ao nascer que expressasse desejo de ser mulher era simplesmente visto como um homem louco e desvirtuado. E a pessoa designada mulher ao nascer que expressava desejo de ser homem simplesmente não era levada a sério, afinal, não queriam todas?

Mas a transfobia não alcançou os níveis que temos hoje até os diagnósticos do Dr. Krafft-Eibing, quando deixou de ser só estranho pra ser uma psicopatia.

É aí que “feminilidade” passou a ser uma coisa realmente negativa para um homem ter. Porque significava que ele era doente. Um “homossexual”.

Até aí, pessoas designadas mulheres ao nascer apresentando comportamento masculino simplesmente não eram levadas a sério com exceção das mulheres que “se disfarçavam como homens” no século XIX. Esse fenômeno só começou a ser registrado com alguma seriedade quando começaram a surgir comunidades lésbicas nos anos 50. E homens trans só começaram a ter vazão pra se expressarem de verdade nos anos 80 quando a teoria queer surgiu.

Aparentemente na era medieval era crime “mulheres usarem roupas de homens”. Mas o único registro que nós temos disso é de quando queimaram Joana D’Arc, que foi uma execução 100% política e a igreja só estava procurando uma desculpa qualquer pra matar logo a mulher. Não existem precedentes de que isso realmente era reforçado.

Agora sim eu terminei.

Tudo que eu falei aqui (exceto as coisas na seção 2.1 que ainda são bastante debatíveis) podem ser confirmadas com uma rápida busca no Google. E com um pouco de pesquisa e empatia você também pode confirmar que homofobia, transfobia e misoginia não é normal!

Então porque tem que ser na fantasia? Vamos falar disso na próxima, eu juro! Mas acredito que a informação que está escrita aqui já seja o suficiente pra que você possa começar a ligar os pontinhos por conta própria.

No início, quando eu só tive a ideia pra esse texto, era pra ele ser um guia rápido de como não ser babaca jogando Dragon Age. Mas a gente vai escrevendo e quando vê os textos ganham vida própria e explodem em proporção. Espero que ter transformado isso numa coluna seja uma boa ideia, haha.

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