
Diário de Quarentena, 18º Dia
É um desafio enorme pra mim sempre ter alguma coisa pra falar aqui no blog. Eu tento ser mais relevante do que só mais um eco na câmara da “esquerda nerd brasileira”. Só que num mundo onde todo mundo pode expressar publicamente suas opiniões sobre qualquer coisa eu sinto que tudo que eu poderia falar já foi falado.
Acredito que todo mundo que lê o meu blog já conhece o conceito de achatar a curva, sabe as maneiras mais corretas de prevenção contra o vírus, sabe o quanto a economia do país vai sofrer pela quarentena e/ou pelas mortes, e provavelmente já sabe o quanto as estruturas do capitalismo serão inevitavelmente abaladas durante esse processo que pode durar vários meses.
Todo mundo ouviu comentários sobre o Bolsonaro, e sobre os governos dos estados tomando a responsabilidade pela sua população em suas próprias mãos.
A gente já ouviu de impeachment, processos do TSE e do trabalho do MST e do MTST diante dessa situação toda.
É uma corrente tão grande e tão cheia de informações e opiniões! Um misto de esperança e solidariedade com desespero e isolamento! E o pior é que a gente não pode fazer nada além ficar acumulando e acumulando sentimentos que não tem como serem expressos de maneira material até a pandemia passar.
Eu mesma fiquei um pouco sem ar escrevendo esses parágrafos. Meus sintomas de ansiedade tem piorado bastante nos últimos meses, e a situação que estamos passando hoje só deixa as coisas piores (o que me lembra que eu tenho que marcar consulta com psiquiatra aaaaaaaaaaaa)
Mas sabe qual é a pira que me faz pensar que, realmente, vai ficar tudo bem? Senta aí que eu te mostro.
Eu descobri que adoro fazer bolos.
Não, é sério. A situação financeira aqui na casa onde eu to morando anda bem apertada, então bolos acabam sendo o doce mais barato e acessível pra gente comer durante o dia e nos sentirmos melhor. E eu adoro bater os ingredientes.
Sem batedeira, sem liquidificador, só no braço, mexendo com carinho (e as vezes raiva) sabendo que um pouquinho de açúcar vai deixar a vida da nossa comunidade um pouco mais feliz.
A gente tá sem trabalho por que os antigos clientes estão cortando seus gastos, e vários eventos que a gente podia trabalhar foram cancelados. Mas estando junto com meu colega e minha namorada todos os dias eu consigo dizer “eu te amo” todos os dias pra essa namorada, e dar abraços de segurança pro meu colega. Tudo isso várias vezes ao dia. E isso nos deixa felizes também.
Na verdade, eu descobri que gosto de cozinhar. Acordar cedinho ir preparando nosso almoço bem quietinha e sozinha, aproveitando minha própria companhia e o prazer do silêncio.
Cortar os legumes, misturar uma salada, refogar uma soja… O mundo pode estar um caos lá fora, e tudo parece ser muito mais importante do que simplesmente descobrir que você gosta de cozinhar. Mas é nos pequenos atos de felicidade que a gente ganha forças pra fazer a diferença no mundo, sabe? E quando a gente nota a preciosidade desses pequenos atos, mais teremos vontade de lutar para continuar tendo esses pequenos momentos felizes.
Se a gente tivesse numa jornada de trabalho de 8 a 12 horas por dia, como acontece normalmente, eu não teria tido a oportunidade de conhecer tão profundamente as vidas do meu colega de apartamento e da minha namorada.
Eu não quero que as coisas voltem ao normal, porque, por mais assustadora que esteja a situação num nível global, o normal ainda era bem ruim, e essa crise tem servido pra exacerbar a importância da felicidade no nível local e pessoal.
Eu tenho que dizer. Eu nunca fui tão feliz na minha vida. Ao mesmo tempo que eu nunca fiquei tão desesperada com o futuro do mundo. A gente tá vivendo uma loucura cheia de contradições! Mas acho que essa loucura vem pelo bem.
Se você for como eu e acreditar na sincronicidade holística das coisas, eu diria que essa pandemia é a nossa oportunidade de olhar pra dentro. Da nossa comunidade local e da nossa família, e estabelecer o que é realmente importante. Amar uns aos outros ou sair toda manhã pra um trabalho ingrato cujo chefe provavelmente vai te demitir de qualquer jeito por falta de movimento?
Se você tem o privilégio de trabalhar de casa ou tem alguma ocupação que não é tão afetada pela crise do corona, eu gostaria de pedir pra você me ajudar a continuar sobrevivendo e vivendo nesse mundo contraditório de desespero e alegria através de uma doação mensal de cinco reaizinhos no meu catarse.
Eu seria eternamente grata, e mesmo que você não possa, você que lê esse texto recebe todo meu sincero carinho e gratidão.
Boa sorte pra nós, galera.
Blessed be.
Ah, e aproveita que os filme do ghibli tão no netflix e assiste o castelo animado. É meu favorito.
Originally published at http://feliciagd.com on April 3, 2020.