Mas Naquela Época! Elfos, Fadas e Anões.
Orlando Bloom de peruca loira surfando uma escadaria com um escudo enquanto atira flechas certeiras num exército de orcs. Se Tolkien já havia solidificado uma ideia de elfos bastante particular na mente das leitoras de fantasia, Peter Jackson criou uma imagem ainda mais incrível na mente do público geral.
Elegantes, esguios, sem pelos faciais, extremamente atraentes e amantes de todas as coisas da natureza. Tolkien, Gygax, Jackson e todos os seus contemporâneos e sucessores resolveram representar elfos assim, como seres de luz e sabedoria que vieram de outro mundo. Romântico, não?
Mas essa não é a única forma de se representar elfos.
Os elfos de Tolkien inegavelmente foram a maior inspiração para os elfos que vemos hoje copiados e colados por aí nos mundos de fantasia medieval. E estes, por sua vez, foram baseados nos Ljósálfar da mitologia nórdica. Uma classificação de elfos que são vistos como seres “mais brilhantes de se olhar do que o próprio Sol”. O que é curioso. Há algum debate sobre como elfos nórdicos ganharam um status de tão grande importância na sua mitologia. Os elfos que existem também nos mitos ingleses e germânicos não são nem um pouco românticos e muitas vezes são vistos como seres a serem evitados.
Os elfos mais antigos da Europa — mais antigos inclusive que aqueles descritos como seres feitos de luz — surgiam principalmente em textos legais e médicos como um dos muitos bodes expiatórios medievais para explicar as mazelas do mundo. Em textos ingleses, elfos eram associados com doenças e assassinatos no meio das florestas. E em algumas lendas escocesas dizem que eles vivem disfarçados entre os camponeses normais para adoecer e matar os membros da comunidade, inclusive com rituais envolvendo sexo, como os súcubos.
Como pode, então, criaturas com o mesmo nome serem tão diferentes em natureza? Algumas teorias dizem que o elfo de luz das eddas em prosa — alguns dos textos que usamos como base para compreender a mitologia nórdica — vieram de uma tentativa de cristianizar criaturas folclóricas locais para tornar o cristianismo mais palpável para esses povos pagãos.
Ljósalfár, ou os Elfos de Luz, para essa teoria, seriam nada mais do que anjos paganizados para uma audiência não cristã.
Há apenas uma menção de elfos nas eddas poéticas — considerada a coleção de textos mais “raiz” da mitologia nórdica — no poema de Grimnismol. E na realidade não é uma menção aos elfos em si, mas sim ao reino dos elfos, Álfheimr.
Aqui, Freyr aparece como rei dos elfos, sendo que em outros textos ele também é considerado rei dos Vanir — uma tribo de Deuses secundária para os nórdicos. Então seriam Vanir e Elfos a mesma coisa? Se não a mesma, certamente parecidos. Se não deuses, talvez espíritos tão poderosos quanto.
Então quando Thranduil está sendo arrogante e exercendo seu poder e influência sobre os anões e os outros elfos, ele está tomando consciência do seu poder ancestral — como um senhor de luz tão poderoso quanto os deuses.
Um aspecto que foi criado por Tolkien e eventualmente incorporado por Dungeons and Dragons é a ideia de elfos serem alienígenas no próprio mundo onde eles vivem.
O motivo por trás disso em O Senhor dos Anéis é extremamente complicado, mas Elrond e os outros elfos de Valfenda querem ir para Valinor, o lugar onde é dito que os elfos realmente pertencem. E como tudo em O Senhor dos Anéis, Valinor é uma alegoria para a vida pós vida. Um local de descanso para as almas que lutaram todas as batalhas que deveriam lutar na Terra-Média.
De certa forma elfos já estão prontos para partir dessa pra melhor, e a melancolia inserida nessas personagens por Tolkien perdurou até os jogos de RPG que viriam a sucedê-lo.
Um tipo de elfo que vem se tornado um pouco mais conhecido pelos fãs de fantasia nos últimos anos — graças a The Witcher e Dragon Age — são os elfos fodidos e excluídos que vivem na margem da sociedade, cujo preconceito que eles sofrem é escrito como análogo a algum tipo de preconceito do mundo real, como racismo ou LGBTfobia.
Parece arbitrário colocar elfos em uma posição tão frágil e marginal quando você só conhece os elfos de Tolkien, mas vamos lembrar que muito antes de alguém se quer descrever um Ljósalfr todo poderoso tinha alguém culpando um elfo da floresta pela catapora que pegou na noite passada!
Como eu falei no começo do texto, elfos gostosos e brilhantes são de relativa novidade na Europa. O elfo como bode expiatório, assassino e carregador de doenças é muito mais antigo. Elfo este que, em conceito, era tão mal visto quanto pessoas de minorias étnicas ou expressões de gênero diferentes na Europa medieval.
Em qualquer outro lugar que não seja nas tribos nórdicas ou nos textos de Tolkien, todas as lendas e criaturas eu descrevemos aqui seriam chamadas de fadas.
Fadas eram tão adoradas quanto temidas em todas as partes da Europa durante a idade média. Com frequência eram descritas como feitas de luz; podem tanto abençoar quanto adoecer; devem tanto ser respeitadas quanto evitadas a todo custo; eram associadas com desaparecimentos e assassinatos no meio das florestas; e faziam magias excepcionais apesar de não chegar perto do poder de “deuses” (dependendo do que a sua tribo chama de deus).
Em Sonho de Uma Noite de Verão, Shakespeare não faz distinção entre elfos, fadas e ninfas. Sendo todas elas criaturas pequenas que vão infernizar a vida dos casais que ainda não decidiram se vão se casar pra valer ou não.
Quando essas criaturas mágicas vêm como um sucessor de Shakespare, não de Tolkien, a parte dos seres serem alienígenas no mundo onde eles mesmos vivem faz sentido, já que pra Shakespeare essas criaturas vêm do mundo dos sonhos. E o mesmo acontece em Sandman do Neil Gaiman e com os Changelings da White Wolf Publishing.
Em contraste aos Ljósálfar, as eddas em prosa descrevem os Dökkálfar, como sendo criaturas de escuridão e mesquinharia. Alguns teóricos os igualam com anões, enquanto outros acreditam que seja apenas uma outra forma de paganizar demônios ou anjos caídos.
Como eu falei no outro texto dessa coluna, Tolkien tentou traduzir os Dökkálfar na forma dos Uruk-hai, mas não é a única dicotomia que existe entre os elfos no mundo do Senhor dos Anéis.
Elfos na Terra-Média são classificados como fazendo parte de dois grupos: Calaquendi e Moriquendi. Aqueles que viram a luz das Duas Árvores de Valinor, e aqueles que não viram. E os Moriquendi por si só acabam sendo uma forma mais “escura” de elfo, mesmo que não necessariamente maligna, simplesmente por não terem presenciado o que seria a “graça de Deus” em primeira mão.
Esse dualismo entre elfos de luz e escuridão também foi trazido para Dungeons and Dragons na forma de Altos Elfos em contraste com Drows, os elfos escuros associados com aranhas e cultos assassinos.
Aumentando ainda mais a semelhança entre fadas e elfos, o mesmo tipo de dicotomia acontece com fadas escocesas. Elas eram comumente divididas como fazendo parte de duas distintas cortes reais: Seelie e Unseelie, ou Corte do Verão e Corte do Inverno. Fadas da corte do verão com frequência procurariam ajuda de seres humanos, retribuiriam gentileza com mais gentileza, e avisariam os viajantes de qualquer perigo. Enquanto fadas da corte do inverno atacariam viajantes sem motivo e matariam gado só de zuera.
Quando Sapkowski resolveu criar a diferenciação entre os dois tipos de elfo do seu universo, ele tomou mais inspiração das cortes do verão e do inverno do que dos elfos nórdicos, inclusive com os nomes.
Aen Seidhe é como são chamados os elfos do continente material do mundo de Witcher. Esse nome vem de Aes Sídhe, o termo irlandês para “povo dos morros”, ou, fadas! As fadas que no dia a dia interagiriam com a comunidade humana, mas seriam eventualmente demonizadas pela igreja, ou no caso de Witcher, pela própria civilização.
No outro lado da moeda élfica estão os Aen Elle, elfos que vieram de outra dimensão no mundo de Witcher e trazem consigo nada além de caos e destruição.
Elfos e fadas sempre foram associados com as partes menos exploradas na Natureza, mas um tipo de criatura sobrenatural relacionado a elas existiria principalmente em cavernas, ruínas e reinos civilizados distantes: Anões.
Muitas pessoas acreditam que eles sejam a mesma coisa que os Dökkálfar da mitologia nórdica — espíritos mesquinhos e da escuridão — mas anões aparecem em poemas épicos germânicos bem antes dessa teoria ter ganhado suas primeiras provas. Quando Tolkien inventou a rivalidade entre elfos e anões, ele provavelmente estava pensando nessa dualidade.
Anões na medicina inglesa antiga eram considerados os culpados por doenças mentais, no lugar das doenças físicas como seus primos. E ao redor da Europa seus poderes envolviam quase sempre uma grande habilidade com a forja, capacidade de se tornarem invisíveis, e força sobre-humana apesar da pequena estatura.
Do mito dos anões surgiu a lenda dos Gnomos, cujo primeiro registro em texto veio do século 16, descrevendo o que o autor renascentista Paracelsus chamava de elementais da Terra e detentores de conhecimento profundo.
Como então vamos traduzir a lenda dos elfos e outras criaturas da floresta para o nosso novo cenário do Trono de Ouro?
Para os propósitos de criação desse cenário eu identifiquei os seguintes tipos de criaturas feéricas:
- Anões/Gnomos: Pessoas pequenas e extremamente inteligentes, mas que talvez nem sempre tenham as melhores intenções.
- Altos elfos de luz: Elfos grandes, brilhantes e pomposos baseados em Tolkien ou em anjos.
- Altos elfos de sombra: Elfos grandes, escuros e pomposos baseados no Tolkien só que com pele roxa/cinza associado com coisas “do mau”.
- Elfos tribais do meio da floresta: Aqueles tipo os Aen Seidhe de Witcher ou os de Dragon Age.
- Fadas travessas: Que sequestram crianças e tocam o terror
- Fadas gentis: Que retribuem gentileza e respeitam os seres humanos desde que estes os respeitem.
E começo o desenvolvimento das novas raças levantando um questionamento: Existe diferença prática entre os altos elfos de sombra e luz além dos símbolos arbitrários de “bem” e “mau”?
Não.
Então o que seriam chamados dos altos elfos, elfos nórdicos, ou esses que simplesmente conhecemos como sendo parte da mitologia de Tolkien serão chamados simplesmente de… Elfos.
Um dia, elfos e elfas eram os reis e rainhas do mundo do Trono de Ouro. Mas isso não é mais a realidade. Assim como no nosso mundo a aristocracia foi lentamente perdendo seu lugar para a burguesia, elfos vem perdendo lugar para os humanos.
Cada vez menos elfos nascem para suceder seus antepassados nos seus tronos, e cada vez mais jovens eles vão morrendo — a maioria não passando de 150 anos nos dias de hoje.
Eles ainda possuem os poderes dos seus ancestrais de ter um magnetismo irresistível e uma capacidade de liderança quase sobrenatural, mas as famílias com magia correndo nas veias de todos os membros não existem mais.
As mais antigas famílias élficas nos dias de hoje procuram uma forma de voltar à época onde todos os membros da sua raça tinham acesso a magia sem limites, mas essa busca tem sido em vão.
Os poucos magos elfos que ainda existem são líderes de conselhos religiosos e políticos. Hoje em dia é estimado que existam 80 magos vivos entre toda a população élfica. E crianças com poderes mágicos estão se tornando cada vez mais raras.
Há pouco mais de 200 anos, os reinos élficos acabaram se dividindo em 2:
Alfheim, que é um conselho de reinos que resolveu se unir para procurar resolver a crise de natalidade élfica e o poder que eles vêm perdendo para os seres humanos. Existem mais de 30 reinos se unindo sob essa aliança.
E Nidavellir, que é a cidade que se recusou a fazer parte de Alfheim e começou uma incursão imperial para controlar todo o continente sob o punho do imperador Nidavel. É dito que esse imperador seja o elfo mais antigo vivo no mundo, com as propagandas do seu estado dizendo que ele tem mais de 300 anos de idade.
Sobre os elfos tribais e as fadas gentis, também resolvi uní-los em um único grupo, mas que se subdivide em vários outros grupos.
Chamei-nos de Pequenos. Eles são fisicamente parecidos com Elfos, mas não medem mais do que 1.5m de altura nem possuem seus poderes de magnetismo natural ou capacidade de liderança. Em vez disso eles sempre se organizam em comunidades pequenas de responsabilidade mútua, preferindo pequenos vilarejos no meio do mato a grandes cidades cheias de gente.
Pequenos não precisam necessariamente ser filhos de outros pequenos. Eles podem nascer da união entre um elfo e um humano, e é dito que eles surgiram a menos de um milênio atrás quando humanos e elfos se cruzaram pela primeira vez. Por isso elfos não costumam olhar para os pequenos com bons olhos. Para eles, os pequenos são a prova da decadência élfica e da sua inevitável extinção.
Existem ainda menos magos pequenos do que magos élficos, mas uma dessas magas acabou criando uma das religiões mais populares do continente nos duas de hoje.
Ela se chamava Arduinna, e seus seguidores, os arduinnenses, acreditam que a gentileza deve ser praticada todos os momentos da sua vida, sem que se espere nada em troca além da “experiência”.
Encaixar os anões na minha história sem ficar dependendo de clichês, mas mantendo algum tipo de meta comentário foi difícil. Eventualmente decidi que eles seriam mais gnomos que “anões” propriamente ditos.
Sua ligação com a terra existiria no fato de que eles possuem um culto aos seus ancestrais que incentiva avanço tecnológico, como os paragons de Dragon Age, todos aqueles que fizessem um grande ato entre os anões poderiam começar uma nova casa na nobreza.
Sua ligação maior seria com a tecnologia e com os materiais de trabalho. Eles são capazes de compreender tudo aquilo que eles controlam com as mãos como se fosse parte do seu próprio corpo. Os navegadores anões são capazes de “ouvir” seus navios e navegar mais longe e de forma mais segura do que qualquer uma das outras raças.
Por enquanto é isso que eu tenho pra mostrar pra vocês sobre as diferentes raças do Trono de Ouro. Eu não sei exatamente qual aspecto trazer pra vocês na próxima, mas eu aceito sugestões.
Espero que tenham gostado da nossa análise e que fiquem por aqui pra próxima.
Até mais!
E não esqueçam de dar uma olhada no Catarse e nos outros meios de financiamento coletivo ;*
Originally published at http://feliciagamingdiary.wordpress.com on February 21, 2020.